terça-feira, 17 de maio de 2011

sou

O mundo assim como sou não me basta
tocam-me no braço pingos de chuva timidos
a chuva plena de momentos intocáveis
os olhos tristes depois do que sinto
tédio nas noites em que não me reconheço

quem és tu, que te deitas na minha cama e comes na minha mesa?

sou a intóxicação de sentimentos
um diagnóstico mal conseguido
violentações íntimas que as lágrimas acusam
o eco dos passos que não dei
sou mais o que sinto e pouco o que digo
sou a saliva no teu peito
sou o fim da página e uma nova
não a letra cuidada
mas a parte riscada
sou a luz da sombra
a concavidade da axila e da palma do pé
sou o suor salgado
escorrido no fruto proibido
sou raiz
duna em praia deserta
somente pessoa por acontecer
raio rutilante na demora de um beijo
mais o que sinto
do que o que o corpo mostra
sou o meu chão
a chuva no rosto
o raio de sol na curva do copo de cerveja
sou o dia por viver
o primeiro amor aos beijos roubados
ao segundo e ao terceiro
sou a inteligência ingénua
que não sabe abrandar antes da curva
o silêncio à espera de ser quebrado
sou o cinzento do céu às terças
e o céu cheio de azul ao sábado
sou a torre das águias
o bacalhau no forno ás quatro da tarde num restaurante de estrada em Pavia
sou a nudez de uma música
sou o que não viste
quando olhavas e me pensavas ver
sou a lâmina nas palavras
v erso e invers o
a música do Chico em construção
sou o todo na lacuna das partes
as pegadas numa rua diferente
o sabor de uma laranja num duche de inverno
sou o peixe no anzol da tua cama
e o sal no mar
uma bússula tonta
que te faz perder em mim
sou a saliva escorrida
do prazer de uma dentada de maçã
sou a ilusão
da parte issencial de um todo
sou um sofá confortável
e uma cadeira incómoda
sou um olhar cómodo
e incómodo no olhar
sou o pessimismo da razão
e o optimismo da vontade
o estrangeiro do Camus
a contrariedade a todas as possibilidades
sou confidências
de meninas mulheres com segredos na cama
um corpo que quer ser lido
a aguarela por terminar
sou a resposta a uma pergunta sem nexo
com sexo pela manhã
a chuva de ontem
o sol de domingo
os restos da madrugada
e o fim do dia
sou o fechar num abraço
os beijos que dei e os que quero dar

sou a parte escondida
sou

um algoritmo de adição
e a soma de tudo isso

5 comentários:

Anónimo disse...

Oxímoro! Acho que te define bem. Marinheiro- faltou no poema-.
Para quem não aprecia poesia, é uma boa estreia.

Paulo disse...

não é poesia, são palavras efervescentes que saltam de mim através dos meus dedos. Colam-se em papel, post-its, folhas soltas e algumas prendo-as aqui até alguém as levar.

Oxímoro é um bom nome para um lagarto

Helena disse...

Ser assim já é tanto...é tudo!
"A soma de tudo isso" :)

Escrita Online disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Poesia é isso , palavras que nos invadem, amadurecem-nos e libertam-se. Tenho saudade de te ler. Eu