Elizaveta é nova, mas já aprendeu as regras do star-system português: é preciso trabalhar sem ganhar, para depois se ser pago por actividades que não são trabalho. Por exemplo as festas. São as chamadas “presenças”, em que a modelo recebe um cachê para simplesmente estar lá. Noutra época, dir-se-ia depreciativamente que estava a “fazer ofício de corpo presente”, por analogia com o defunto na missa por sua alma. Hoje esse papel é quase sinónimo de estar vivo. “Não me importaria nada”, diz Elizaveta “de estar três horas por dia numa festa, para ganhar a vida".
Há decerto empregos piores. Mas há um percurso a trilhar e dificilmente se saltam etapas. É preciso estar numa festa, para se ser fotografado e aparecer numa revista. A seguir é-se contratado por uma agência de modelos e, por fim, chega-se à televisão. A ordem pode variar um pouco, depende da sorte e aptidões de cada um. É possível saltar de um concurso de televisão para uma agência e daí para a passerelle. Mas isso não é para todos. E nem todos o pretendem. O sonho supremo já não é a moda, mas sim a televisão e, nesta, ser actor. Não por amor às artes performativas, mas para estar na televisão, que por sua vez não é um objectivo profissional, mas um veículo. Um veículo para a fama. Esta é verdadeira ambição: ser famoso. E como se consegue? Eis um guia prático:
“Há três situações, três maneiras de se chegar à fama”, explica Duarte Menezes, que é cabeleireiro e conhece a fundo os meandros do mundo das celebridades em Portugal. “A primeira situação é: uma cara bonita, um bocadinho loura, que apareça numa festa com as mamas à mostra. Durante meses só se fala dela”. Não falha. Mas é difícil. Tem de se saber jogar. É preciso ser-se convidado para as festas. Há duas maneiras: ou se cai nas boas graças de um Relações Públicas (RP), ou se é amigo ou amante de alguém que nos leve.
Os RP são peças-chave. São eles que organizam as festas e distribuem os convites. Elaboram as “guests lists”, das quais é fundamental constar. A partir daí, o caminho para a fama está aberto. E quem são esses RP? Poucos. Uma dezena, segundo Duarte Menezes. “Digo-lhe já os nomes deles: é a Maya, a Helga Barroso, a Marta Aragão Pinto, a Marta Wahnon...” Eles é que mandam. Decidem quem vai e quem não vai às festas, que podem ser a inauguração de uma loja, o aniversário de uma discoteca, a ante-estreia de um filme, o lançamento de uma marca num centro comercial. O motivo pouco importa: é uma festa e é preciso estar lá.
“Há os chamados papa-festas”, diz Duarte. “Não falham uma. Estão lá sempre as pessoas do jet-set, modelos. Mas os mais procurados, hoje, são os actores”. Estes, actores, modelos e celebridades, são pagos pela “presença” na festa. Os outros são capazes de matar para estarem presentes. “Uma pessoa que apareça nas festas está lançada. Não é preciso ter talento. As festas são o motor para a fama”. E quem vai filtrando os candidatos são essa figuras poderosas, que de certa forma mandam no país, mesmo sem terem sido eleitas: os RP. “A culpa de haver tanta gente famosa sem nada fazer é dos RP”.
Dizem: ‘Ó Duarte, eu preciso de aparecer. Faça-me acontecer Duarte’. Eu levo-as duas, três vezes, às festas. À quarta já são convidadas. Depois aparecem nas revistas com jóias que eu lhes emprestei, a dizerem que são da avó”.
Por vezes é ele próprio, Duarte, a organizar festas. Outras vezes leva as “meninas” a desfiles de moda. “A primeira fila da Moda Lisboa é o lugar fundamental”. São as caras que são fotografadas, que aparecem nas revistas. Duarte tem um passe que lhe permite assistir a todos os desfiles, e vai sempre acompanhado. “Há três sítios onde não gosto de ir sozinho: à praia, ao cinema e a um desfile de moda”. Quatro mulheres hoje muito famosas em Portugal foram lançadas desta maneira, diz o cabeleireiro. Estiveram com ele na primeira fila da Moda Lisboa.
Segundo Duarte, há uma explicação para que muitas raparigas procurem a ajuda de homens homossexuais: assim não serão acusadas de estarem a trocar favores sexuais por promoção. Mas também há rapazes que usam homossexuais mais velhos para se lançarem no circuito das festas e da fama. São geralmente jovens heterossexuais, que não dissuadem o “amigo” gay de se apaixonar por eles, enquanto vão aceitando jantares, viagens e acesso a eventos e pessoas. Alguns são bissexuais, e não se importam de se insinuar junto dos muitos homossexuais influentes que há no mundo da moda. Duarte chama-lhes pejorativamente os “bichos”, por oposição à geração mais velha, que tudo fazia por amor ou pura e desinteressada luxúria - as “bichas”.
A segunda via para a fama: “Dormir com alguém da bola. Jogador, ex-jogador, etc. Uma rapariga que diga numa revista que já foi para a cama com o Ronaldo tem as portas abertas”. É uma estratégia recente, explica o cabeleireiro. Terá começado no Reino Unido, onde a indústria dos tablóides é poderosa. Depois da morte da princesa Diana, as revistas, privadas do seu tema favorito, voltaram-se para o casal Beckam, dando aos futebolistas um estatuto glamoroso que nunca tinham tido. Cá, a prática começou com Cristiano Ronaldo, mas agora qualquer um serve.
Uma terceira via são as festas de caridade, tradicionalmente frequentadas “pelas verdadeiras senhoras de alta sociedade”. Podem ser em organizações de beneficência ou em embaixadas, ou organismos como o Banco Alimentar contra a Fome. “Põem um avental e ficam ali a ser fotografadas a cozinhar para os pobrezinhos, enquanto as verdadeiras senhoras se escondem das câmaras”.
Mas há mais vias: os programas de televisão, como os Ídolos ou Operação Triunfo, em que é preciso possuir algum talento, e os do tipo do Big Brother, Quinta das Celebridades ou A Casa dos Segredos, para os quais nenhum talento é necessário. Mas também para entrar nestes “shows” é preciso ter amigos influentes.
Foi desde o aparecimento do Big Brother, no ano 2000, na TVI, que as pessoas começaram a pensar que era fácil ser famoso. O marco seguinte foi os Morangos com Açúcar, em 2003. A série da TVI fez nascer uma geração de famosos muito jovens, bonitos e que sabem representar e dançar. Ou parece que sabem. Os “Morangos” já vão na 8ª edição e são uma fábrica imparável de famosos, que têm, nas festas, uma cotação superior à dos modelos – exceptuando, talvez, as raparigas que dormiram com o Ronaldo, sugere Mónica Lopes, 32 anos, que abriu há 7 meses uma agência de modelos, a ML.
“Dantes, em Portugal, o sonho de todos os pais era que os filhos fossem doutores. Hoje querem que eles sejam famosos”. Dalila Martins, 59 anos, foi modelo nos anos 80. Mas só depois de ter concluído a licenciatura em Filologia Românica. Já dava aulas quando começou a fazer desfiles. E já tinha tido o primeiro filho. “As prioridades eram outras naquele tempo”, explica ela. “Houve uma inversão de valores. Hoje as pessoas vêem a fama como um objectivo em si mesmo. Porque lhes é dada a ilusão de que o podem alcançar sem grande trabalho.”
No tempo de Dalila também havia um sistema para se chegar ao estrelato como modelo. “Era preciso conhecer as pessoas certas e ir aos lugares certos”. Ela frequentava o Frágil e era amiga do seu proprietário, Manuel Reis, e do cabeleireiro José Carlos. “Era preciso entrar num certo mundo, muito elitista. Hoje a moda e o mundo dos famosos democratizaram-se.”
Dalila continua a ir a festas, bares e restaurantes “da moda”, mas não vê lá a “gente da moda”. Mudaram de sítios? Passam despercebidos? Como já não constituem uma elite, talvez sejam toda a gente e andem por todo o lado. “Onde é que eles estão? Não os vejo nas festas, nem no Lux os encontro. Acho que já não existem”.
Mais um excelente trabalho de Paulo Moura in
(PÚBLICO)
O poema possível
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