ficção #1 "O café"

Cheguei ao café um pouco mais cedo do que o previsto e por pouco que chegavamos ao mesmo tempo.

Já sentado tremi com o ecoar dos teus passos. Sacudi o açucar que caira nas calças, mas o nervoso miudinho não descolava. Ainda antes de dizeres olá, já o teu perfume me invadira derrubando as últimas defesas, já debelitadas com o dislumbre da tua presença.

- olá, já chegaste há muito tempo?
- o suficiente para ser mal atendido pela empregada.
- (sorriso) aqui é costume, já estou habituada.
- (3 longos segundos de silêncio) Podias ter dito que eras extremamente bonita...
- (sorriso a toda a largura) e tu não és assim tão feio como dizias.
- falta-me o nariz do Cyrano de Bergerac
- (riso) além do sentido de humor que outros truques é que usas para seduzires mulheres?
- consigo fazer contas de multiplicar com números de tres digitos.
- (ar trocista) dúvido!!
- dúvidas?? dispara um número.
- 323 x 579
- (fecho os olhos durante 3 silênciosos segundos) Por quê?
- "por quê"? Como por quê??
- eu sei a resposta mas só digo se formos adiante
- adiante como?
- se me contares a tua história. Se passarmos deste ponto, não podemos voltar atrás. Vamos nos conhecer profundamente.
- como profundamente?...
- ( )
- (abre a boca e hesita, procura nos bolsos o isqueiro com que acende o cigarro) eu tenho uma pessoa... (solta uma espessa núvem de fumo) e tu, tens alguém?
- não, mas se é assim é melhor ficarmos por aqui.
- (careta) és um tanto ao quanto estranho...
- não posso dizer, mas podes descobrir se quiseres... ou não
- (nova hesitação) ok, eu conto-te tudo o que quiseres saber, mas primeiro quero saber o resultado.
- (fecho os olhos durante 3 segundos) 180017
- 180017?!como é que eu sei que está certo?
- não sabes

23 anos depois ela pergunta se naquele dia, no café, ele tinha acertado mesmo o número ao que ele respondeu:

- e eu lá me lembro!