sexta-feira, 30 de outubro de 2009

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Os sábios antigos dizem que toda a dor de uma vida humana é provocada pelas palavras, tal como toda a alegria. Apesar de saber que para onde quer que vá, as palavras vão comigo, decidi passar uns dias numa ilha deserta. Precisava de parar de falar por um tempo. Tentar distituir o poder das palavras. Parar de me entupir de palavras. Libertar-me das palavras.

E é tremendo o som que as palavras fazem, quando estamos em silêncio. Como se ecoassem do fundo de uma piscina enorme vazia. Mas é assim que as palavras veem ao de cima. E é aterrador. Sentia-me um drogado em tratamento. Mas sabia que tinha que o fazer e que tinha que o fazer sozinho.

Entretanto não estava completamente sozinho. Havia um miúdo. Parecido com aqueles miúdos brigões de rua.
- Porque razão nunca falas? Porque estas aqui e não vais nadar? Porque és assim tão estranho? Não finjas que não me consegues ouvir, eu sei que me ouves. E porque estás sempre sozinho? Onde está a tua namorada? Onde está a tua mulher? O que há de errado contigo?

Eu não abria a boca, mas o meu rosto dizia:
- Vai te embora, miúdo!! Mas que raio és tu? Uma trancrição dos meus pensamentos mais perversos?

Todos os dias tentava sorri-lhe gentilmente e afastá-lo, mas ele não desistia até me conseguir irritar. Até que não me contive e gritei:
- Não falo porque quero estar em silêncio, sua pestinha!!!

Ele fugia a rir. Todos os dias, de pois de me fazer responder, acabava sempre por fugir a rir, o pestinha... E normalmente, também eu acabava a rir, assim que ele desaparecia da minha vista.
Santo António escreveu uma vez sobre ter ido para o deserto em retiro silencioso e de ter sido assaltado por todo o tipo de visões - tanto diabos como anjos. Ele disse que ás vezes, na sua solidão, encontrava anjos que pareciam diabos, e diabos que pareciam anjos. Quando lhe perguntaram como é que ele conseguia ver a diferença, o santo disse que só se pode dizer quem é quem pela forma como nos sentimos depois da criatura ter saido da nossa presença. Se ficarmos aterrados, foi um diabo que nos visitou. Se nos sentirmos bem, foi um anjo.

Creio que sei quem era aquele miúdo..

2 comentários:

Rakel disse...

Não há céu nem inferno, nem anjo ou demónio. Há o hoje, o amanhã já foi e o futuro...és tu ke o fazes.

Bom Fds

Bjo

C. Moniz disse...

Isto faz-me lembrar uma passagem de ontem, onde apanhei dois marmelos a picarem-me num carro enquanto conduzia... inicialmente, aquela palhaçada irritou-me... mas depois aquela estupidez toda fez-me sorrir, porque nao passava daquilo, de provocaçao desnecessaria à qual deixei de responder... porque nas ultimas duas semanas aprendi que sorrir para aquilo que me irrita alivia-me a frustaçao :)